Por Abdon Marinho.
Estamos em maio, de diversos pontos do estado e da capital, recebo notícias de greves,
paralizações e/ou que, por um motivo ou outro, o ano letivo de 2022 ainda não
teve inicio e, onde iniciou, ainda “pega” no tranco.
Antes de discutir sobre as razões de cada um, não posso deixar de registrar a minha angústia e perplexidade com o fato.
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Advogado Abdon Marinho |
Foge
à minha compreensão que depois de dois anos com as crianças fora da sala de
aula por conta da pandemia, assistindo aula de forma precária ou não
assistindo, gestores, educadores, representantes classistas, pais de alunos,
Ministério Público, não estejam discutindo estratégias para recuperar o tempo
perdido, mas, sim, envoltos em discussões de campanhas salariais e outras
pautas que a rigor, pouco ou nada contribuem para preencher a enorme lacuna
ocasionada pelo tempo perdido.
A
dolorosa realidade é que à educação brasileira vem fracassando de forma
sistemática com o futuro do país.
Quando
comparada com a educação de jovens e crianças de outros países ainda nos
encontramos na rabeira de quaisquer indicadores que se use; quando fazemos um
recorte com a educação pública, aumentamos ainda mais a desigualdade; quando
fazemos o recorte na comparação com o norte nordeste temos essa desigualdade
ampliada mais ainda – esta é a realidade do Maranhão.
Faltam
recursos? Talvez. Mas, esta não é uma verdade absoluta.
Desde
a redemocratização do país e, principalmente, depois da Constituição de 1988, o
país vem investindo de forma crescente na educação – investimentos
significativamente aumentados com a criação do FUNDEF e depois do FUNDEB –, sem
que isso tenha se revertido, pelo menos, não na mesma proporção, na elevação
dos indicadores educacionais.
Outro
dia, por dever profissional, chamado a uma assembleia questionei os
participantes sobre tais assuntos e por quais motivos, também, os pais dos
alunos não eram chamados para participar do debate.
Ao
meu sentir, não existe razão para polêmicas financeiras quando se trata de
educação, uma vez que as balizas constitucionais estão bem definidas em seus
indicadores mínimos.
O
que existe, na maior parte das vezes, é incompreensão, falta de transparência,
açodamentos e interesses pessoais se sobrepondo aos interesses coletivos.
A
primeira baliza que temos é percentual mínimo de gasto com a educação.
A
Constituição Federal, no artigo 212, estabelece:
“Art.
212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino”.
Veja,
que muito embora, estes percentuais sejam mínimos, para o conjunto de outras
despesas que têm os entes federados, não estamos falando de pouca coisa quando
estabelecemos vinte e cinco por cento da receita proveniente de impostos,
incluindo aquela oriunda de transferências, com a manutenção e desenvolvimento
do ensino.
Para
cuidar de todo o resto: saúde, infraestrutura, segurança, assistência social,
meio ambiente, etc, etc, sobram apenas 75% (setenta e cinco por cento) das
receitas.
A
segunda baliza é aquela que estabelece um percentual mínimo de gastos com
pessoal.
O
artigo 212-A instituído pela emenda constitucional nº. 108/2020, estabeleceu:
“XI
- proporção não inferior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no
inciso I do caput deste artigo, excluídos os recursos de que trata a alínea
"c" do inciso V do caput deste artigo, será destinada ao pagamento
dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, observado, em
relação aos recursos previstos na alínea "b" do inciso V do caput
deste artigo, o percentual mínimo de 15% (quinze por cento) para despesas de
capital”.
Uma
terceira baliza, resta estabelecida no inciso seguinte do mesmo artigo:
“XII - lei específica disporá sobre o piso
salarial profissional nacional para os profissionais do magistério da educação
básica pública”.
Aqui,
cabe esclarecer que a chamada Lei do Piso (LEI Nº 11.738, DE 16 DE JULHO DE
2008.), já era previsão constitucional inserta nos princípios da educação
nacional estabelecidos no artigo 206, da Carta, reforçados nos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias e
regulamentada na lei acima, estabelecendo um piso mínimo para o magistério
a ser implantado a partir de 2009 e reajustado todos os anos, no mês de
janeiro.
Ainda
no tópico da falsa polêmica envolvendo mestres, representantes classistas e
gestores, temos uma quarta baliza constitucional, que, aliás, é um dos
princípios da educação nacional contidos no artigo 206:
“V -
valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,
planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas
e títulos, aos das redes públicas”.
Então
vejamos, se o ente federado (estados e municípios) cumpre o percentual de
investimento na manutenção e desenvolvimento do ensino; cumpre a proporção não
inferior a setenta por cento com o pagamento dos profissionais da educação
básica; cumpre o piso nacional estabelecido, previsto Constituição e regulado
por lei; possui um plano de carreira que garanta a valorização dos
profissionais, o que sobra para ser motivo de discussão e fomentar o atraso no
ano letivo prejudicando o futuro de milhares de crianças e jovens?
Com
atraso – mas, antes tarde do nunca –, o Ministério Público Estadual emitiu
parecer, não vinculativo, na mesma linha do que sempre sustentei, e ainda
observando para a responsabilidade dos gestores no que diz respeito ao
cumprimento de outras obrigações legais, como o cumprimento da Lei de Responsabilidade
Fiscal - LRF (Lei Complementar nº. 101/2000)m que disciplina os limites de
gasto com pessoal.
Não
discuto se o que recebe a categoria é
justo ou não, pelo serviço que prestam,
o que se discute é que o legislador, preocupado e/ou talvez cedendo as
infinitas pressões de uma categoria organizada concedeu-lhe inúmeras garantias
constitucionais que, mesmo assim, não parecem suficientes para devolver à
educação ao seu leito normal de previsibilidade, regularidade e resultados.
Como
sabemos, a remuneração dos profissionais da educação básica até pelas balizas
já referidas acima, seja o menor dos problemas a serem enfrentados – e não os
superaremos se todos recursos da educação forem destinados unicamente ao
pagamento de seus profissionais, por mais que sejam merecedores.
O
primeiro desafio é motivarmos crianças e pais para a importância da educação
como fator de crescimento individual e coletivo.
Esse
desafio não será superado com escolas caindo aos pedaços e com um ensino de
baixa qualidade.
Com
isso precisamos de escolas melhores estruturadas, professores mais qualificados
e uma educação que seja atrativa para as crianças e jovens.
Não
podemos perder de vista que a educação “disputa” a atenção das crianças e
jovens com um mundo de outras atrações e distrações para elas muito mais
envolventes.
Um
segundo desafio é envolvimento das famílias com o aprendizado das crianças e
jovens. Vivemos em um mundo em que uma grande parcela dos pais não querem ou
não assumem qualquer papel na educação dos filhos, quando na verdade a primeira
e mais valiosa educação deve ser ministrada pela família e complementada pela
escola.
Infelizmente
o que vemos é o inverso disso.
Desde
a mais tenra idade vemos os pais se “desobrigando” da vida que colocou no
mundo. Basta ver que quando uma criança chora pela atenção dos pais uma das
primeiras coisas que fazem não conversar, educar ou disciplinar a criança é
entregar-lhe um celular ou um outro equipamento eletrônico para que ela se
distraia e não os perturbe nos seus afazeres ou mesmo nos seus lazeres.
É
essa criança que com quatro ou cinco anos – e até antes –, vai ser entregue a
educação do Estado.
Como
imaginam que ela vai se sair?
Esse
descompromisso “individual” já começa a expandir-se para o coletivo.
Outro
dia um cliente ligou com uma dificuldade inusitada: vencido o mandato do
Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente - CMDCA, ele já estava
há um bom tempo sem o tal conselho, de importância ímpar, por não conseguir em
todo o município pessoas que se dispusesse a compor aquele coletivo.
Ora,
como justificar ou aceitar, que numa comunidade inteira não encontremos pessoas
dispostas a fazer um trabalho voluntário de defesa do seu futuro, que são as
crianças e adolescentes?
Quando
se trata de educação a Constituição Federal deixa bem clara a responsabilidade,
diz o artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
Veja
que ela pontua muito bem: a educação é um direito de todos e um dever do Estado
e da família.
Daí
ser imprescindível que quaisquer debates relacionados à educação não sejam
feitos envolvendo apenas gestores e educadores, mas, envolvendo, principalmente
às famílias.
Somente
assim colocaremos, efetivamente, a educação em primeiro lugar.
Abdon
Marinho é advogado.
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